Desigualdade e racismo no mercado de trabalho

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Da esquerda para a direita a diretora sindical Fabiana Lemos e os cientistas sociais Mário Theodoro e Newton Oliveira. Imagem: Wellington Santos/ Comerciários
Da esquerda para a direita a diretora sindical Fabiana Lemos e os cientistas sociais Mário Theodoro e Newton Oliveira. Imagem: Wellington Santos/ Comerciários

A Semana de Charme e Consciência do Sindicato dos Comerciários do Rio teve continuidade nessa quarta-feira (16/11) com debate sobre racismo no mercado de trabalho. O evento reuniu os cientistas sociais Mário Theodoro e Newton Oliveira, que trocaram ideias com a público sobre a influência do racismo na disputa por empregos e na mobilidade dos funcionários dentro das empresas.

Na abertura, o presidente do Sindicato, Márcio Ayer, fez sua saudação aos participantes: “Incorporar esse debate à luta sindical é super importante para defender os interesses da categoria no dia a dia. Basta ver os vários episódios de racismo que vêm sendo denunciados pelos comerciários. Em atividades como essa compartilhamos conhecimento e reunimos forças para enfrentar o racismo e a discriminação racial que, infelizmente, ainda persistem no comércio do Rio”. A secretária de Igualdade Racial da CTB, central sindical à qual o Sindicato é filiado, Mônica Custódio, também parabenizou o Comerciários por dar visibilidade e incorporar a questão racial à sua ação sindical. “A manutenção do status quo por meio do racismo acontece justamente nas relações de trabalho. Estamos avançando”, disse ela, referindo-se à histórica secundarização do tema nas lutas da maioria das entidades sindicais brasileiras.

A secretária de Igualdade Racial da CTB, Mônica Custódio. Imagem: Wellington Santos/ Comerciários
A secretária de Igualdade Racial da CTB, Mônica Custódio. Imagem: Wellington Santos/ Comerciários

Ainda na abertura do debate, o secretário geral do Sindicato, Marcelo Black, endossou o que disse a secretária da CTB com um depoimento sobre as dificuldades que enfrentou em sua trajetória no comércio pelo fato de ser negro. Black contou que, em várias situações, deixou de ser efetivado, promovido ou receber o justo reconhecimento apenas pelo fato de ser negro, mesmo quando era o vendedor campeão de vendas da loja.

Racismo x injúria racial – Mediado pela diretora sindical Fabiana Lemos, a Fafá, o debate teve início com a palestra de Mário Theodoro, que é mestre em Economia pela UFPE, doutorado pela Universidade de Paris-Sorbonne e foi secretário executivo da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Ele comentou a consolidação do racismo no Brasil após a abolição da escravatura em 1888, incluindo vários aspectos ideológicos que levaram à naturalização da discriminação em nossa sociedade. Theodoro falou ainda sobre o processo de evolução da legislação brasileira no sentido de reduzir a incidência da discriminação racial, em paralelo às medidas governamentais que, apenas recentemente, passaram a ser adotadas para acabar com o preconceito no país.

“Se a discriminação é uma questão legal e um caso de polícia, o preconceito é uma questão de políticas. Infelizmente, a maioria dos casos não é tipificada nas delegacias e tribunais como racismo. O que ocorre, justamente, porque ainda não superamos o preconceito dos delegados de polícia e juízes, algo que só vai se quebrar por meio das políticas de ação afirmativa (como as cotas raciais nas universidades). Com isso, inventaram mais uma jabuticaba nacional, que se chama injúria racial”, comentou Theodoro, referindo-se à distinção – e confusão – entre racismo e injúria racial na legislação brasileira.

Theodoro (com o microfone) e Oliveira. Imagem: Wellington Santos/ Comerciários
Theodoro (com o microfone) e Oliveira. Imagem: Wellington Santos/ Comerciários

Segundo uma interpretação literal do Código Penal, a injúria racial ocorre quando são ditas ofensas a uma pessoa, como, por exemplo, chamar um negro de “macaco” ou uma negra de “neguinha”. A acusação permite fiança e tem pena máxima de três anos. Seguindo essa mesma interpretação, o racismo envolveria o menosprezo à raça de alguém, seja por impedimento de acesso a determinado local, seja pela negação de algum direito tomando por base a raça da pessoa. Como exemplo, pode-se considerar como caso de racismo o impedimento de matrícula de uma criança na escola pelo fato dela ser negra. A pena para o crime de racismo definida no Código é de três a cinco anos de prisão. O problema, segundo Mário Theodoro, é que quando um negro é chamado de macaco, todos os ancestrais do sujeito são também ofendidos. “Isso é racismo, mas o crime acaba sendo tipificado como injúria e quem ofendeu toda minha família vai para casa livre, apenas com o pagamento de uma cesta básica”, disse indignado.

PEC contra as cotas – O professor de pós-graduação da Faculdade Mackenzie e ex-presidente da FAETEC, Newton de Oliveira, deu início à sua fala lembrando que quando os negros e negras se libertaram da escravidão no Brasil, não receberam do Estado ou da sociedade os meios que lhe permitiriam sobreviver, prosperar e ascender socialmente. Afinal, comentou, não houve nenhum programa governamental para incluir os negros no sistema educacional, sua mão-de-obra foi preterida na nascente indústria nacional em favor de imigrantes europeus e asiáticos, e lhes foi vedada a possibilidade de produzir no campo pelos termos definidos na Lei de Terras de 1850. “A discriminação dos negros no mercado de trabalho dos dias de hoje nada mais é do que uma extensão da discriminação social dos tempos da escravidão”, explicou.

Já na fase dos debates, respondendo às perguntas da plateia, Mário Theodoro comentou a Proposta de Emenda Constitucional 55 (antiga PEC 241), apresentada pelo governo Temer. “O que está em jogo é a questão do Estado mínimo, que em todos os países em que foi aplicado se mostrou perverso, gerando miséria e exclusão. O que vem com a PEC é a desconstrução, que deve começar, justamente, por aquilo em que não existe consenso, como as cotas e as demais políticas de ação afirmativa”, disse.

Especialista em Segurança Pública, Newton de Oliveira, lembrou a todos que a cada dez homicídios praticados no Rio de Janeiro, 6,3 resultam na morte de um jovem negro, fazendo destes, simultaneamente, as maiores vítimas e os maiores agentes da violência urbana. Por fim, ele estimulou o Sindicato a seguir firme no enfrentamento ao racismo que, em paralelo a estatísticas trágicas como essa, afeta os negros e negras, todos os dias, em seus locais de trabalho. “A luta antirracista não é uma luta de iguais pela diferença, mas uma luta de diferentes pela igualdade”, finalizou.

Descontos para comerciários na Mackenzie – Antes do debate, o presidente Márcio Ayer e o diretor geral da Faculdade Presbiteriana Mackenzie, Wladimir Britto, assinaram convênio para que, daqui por diante, os comerciários associados ao Sindicato tenham desconto de 25% em todos os cursos da instituição, uma das mais antigas do Brasil (fundada há 146 anos), com mais de 65 mil alunos em todo o país. A lista e os detalhes de todos os convênios assinados pelo Sindicato com faculdades, universidades e outras instituições de ensino está disponível em http://www.comerciariosrio.org.br/convenios 

O presidente Márcio Ayer, o diretor geral da Mackenzie, Wladimir Britto e o secretário-geral do Sindicato, Marcelo Black, mostram o convênio assinado entre o Comerciários e a Faculdade. Imagem: Wellington Santos/ Comerciários
O presidente Márcio Ayer, o diretor geral da Mackenzie, Wladimir Britto e o secretário-geral do Sindicato, Marcelo Black, mostram o convênio assinado entre o Comerciários e a Faculdade. Imagem: Wellington Santos/ Comerciários

A Semana de Charme Consciência continua nessa quinta-feira (17/11). Às 18h, na sede do Sindicato (R. André Cavalcanti, 33 – Lapa), Alessandra Benedito, Ana Rocha e Mônica Custódio vão debater a “Subvalorização do trabalho da mulher negra, discriminação de raça e sexo”. Participe! A entrada é franca.

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