As relações de gênero e a militância sindical

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Imagem: Comunicação/ Comerciários

Artigo de Clara Araújo, diretora da Região Sul da União Brasileira de Mulheres (UBM) – Há um dado novo no movimento sindical recente. Trata-se da participação das mulheres. Esta aumenta quantitativa e qualitativamente, forçando a incorporação, mesmo que ainda tímida, de importantes reivindicações de gênero, ao mesmo tempo em que deixam a nu as dificuldades e incompreensões ainda vividas pelo movimento sindical, tradicionalmente dirigido por homens. Para absorver e conduzir a realidade de exploração – opressão enfrentada por parte da maioria dos trabalhadores, a compreensão de que classe e gênero são questões intimamente vinculadas, parece ainda não estar suficientemente presente no movimento sindical.

Desde meados da década de 70, com a rearticulação do movimento sindical, impulsionado por uma classe operária jovem, vinculada aos setores de ponta da economia, a presença sindical feminina vem ganhando impulso, sobretudo em termos numéricos. Estudos registram que, entre 1970 e 1978 houve um aumento da ordem de 176,35% na taxa de sindicalização feminina, enquanto o crescimento da PEA (População Economicamente Ativa) feminina no mesmo período foi de 123%. Já para os homens, o aumento de sindicalização foi de 87% e o crescimento da PEA foi de 67% (1).

Embora ainda esteja aquém do percentual de mulheres presentes no mercado de trabalho, observa-se uma tendência crescente na participação das trabalhadoras no movimento sindical. Em 1976, do total de pessoas associadas a sindicatos de empregados urbanos, 81,8% eram homens e 18,1% mulheres. Dez anos depois, em 1986, as mulheres correspondiam a 26,7% e os homens a 73,3% (2). É provável que hoje, com os dados do censo, esta diferença tenha sido mais reduzida. Em 1988, a taxa de sindicalização para as mulheres, de acordo com os ramos de atividades era a seguinte: setor primário: 10,9%; setor secundário 21,6% e setor terciário 15%.

Percebe-se que, embora o setor terciário concentre um número bem maior de trabalhadores e seja o setor tradicionalmente mais feminino, tende a ser o ramo industrial o que apresenta a maior taxa de sindicalização, reforçando assim a constatação de que a forma como é organizado o trabalho na grande indústria, ao mesmo tempo em que gera maiores contradições, gera também a revolta e a consciência da luta social contra os exploradores.

Em termos de presença em diretorias sindicais os dados do IBGE do ano de 1988 indicavam que dos 5.977 sindicatos existentes no país, as mulheres participavam de 1.563, ou seja, elas integravam 26% do total de sindicatos.

Mesmo supondo metodologias distintas, estes dados podem ser comparados com os divulgados pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e fornecidos pelo Ministério do Trabalho (o MT não especifica se os seus números referem-se só aos empregados ou incluem sindicatos patronais). Em 1984, segundo o MT as mulheres integravam 734 diretorias sindicais. Ou seja, superficialmente verifica-se um aumento de mais de 100%.

Entretanto, quando verifica-se a proporção de homens e mulheres que compõem as diretorias sindicais como efetivas, os indicadores deixam a mostra as dificuldades enfrentadas pelas mulheres em relação aos espaços políticos. De acordo com o IBGE, em 1988 as diretoras sindicais efetivas correspondiam a apenas 9,7% do total de sindicalistas efetivos. Este número aumenta um pouco para os sindicatos urbanos: 13,4%. Quando se considera as suplências e os cargos de Conselho hã, então, uma modificação substancial. Ou seja, as trabalhadoras ainda não se encontram inseridas nas esferas mais decisórias.

Entretanto, se esta é uma verdade, a presença da mulher não pode ser considerada apenas sob a ótica numérica, ou em seu vínculo mais direto nas diretorias. Há uma rica realidade de atuação nas empresas, nos locais de trabalho; há a atuação combativa nos momentos de luta, nas greves, nos piquetes “surpreendendo” muitas vezes os próprios dirigentes sindicais. Ao mesmo tempo que a sua tímida presença precisa ser pensada, a sua grande inserção na base precisa ser desvendada, de modo que se possa tirar consequência destas duas facetas de uma mesma realidade.

As mulheres na história sindical do paísA participação sindical da mulher trabalhadora insere-se na própria história do movimento sindical brasileiro e tem início bem antes das manifestações “feministas” por direitos políticos mais gerais de cidadania, embora sempre tenha sido pouco contemplada nas análises sobre o sindicalismo.

No Brasil, as operárias (sobretudo as têxteis), lutaram desde o início do século. Reivindicaram melhores condições de trabalho, sobretudo a diminuição das jornadas (que naquela época podia chegar a até 16 horas/dia), salários iguais e disciplina menos rígida. Ao lado disso buscavam um espaço no interior do movimento operário. Essa relação, porém, não era muito fácil.

Havia uma resistência da parte do movimento operário gerada basicamente pela imagem de mulher predominante também entre os próprios sindicalistas. Esta imagem era a de mãe, de esposa, de dona-de-casa, gerando, assim, uma resistência em relação à condição de trabalhadora. Tal situação tendia a dificultar a inserção no movimento. Ao mesmo tempo, o preconceito estendia às mulheres que se faziam presentes nos sindicatos, onde muitas vezes eram vistas como “prostitutas, ou pior, como seres repugnantes” (3).

Estes preconceitos, verificados nas experiências sindicais de vários países, conviviam como uma qualidade importante também aqui no Brasil. Foi o movimento ºperário, o primeiro a sistematizar e incorporar a compreensão de que a situação da mulher tinha uma característica histórica e não natural e com isso, abarcar demandas voltadas para a conquista de um outro estatuto para a mulher na sociedade, vinculando a sua conquista a emancipação social dos trabalhadores.

O aumento constante da presença feminina no mercado de trabalho criou as condições para que muitos preconceitos fossem aos poucos minimizados (embora não completamente superados) e a atuação sindical das mulheres vista como decorrência de sua condição de trabalhadora. Entretanto, o movimento sindical não conseguiu compreender o significado da opressão de gênero em sua totalidade, com suas consequências em relação ao processo de trabalho: as estratégias utilizadas pelo capital no sentido de se utilizar da divisão sexual no trabalho para aumentar seus lucros. Faltou ao movimento sindical entender que a opressão serve para reforçar a exploração e que isto lhe dizia respeito; faltou compreender também como a utilização de mulheres em certas funções mais mecânicas, desgastantes, menos criativas e mais controladas e reprimidas apoia-se na utilização da suposta subordinação “natural” das mulheres, trazendo assim consequências na esfera política e econômica da luta contra o capital.

O movimento sindical também não conseguiu, durante algum tempo, ter uma visão mais crítica da presença pequena de trabalhadores no movimento e, particularmente, nas diretorias sindicais. Não entendendo a dimensão da especificidade de gênero, os limites materiais e culturais impostos pela dupla jornada e pela atribuição prioritária na esfera doméstica, tendiam a reproduzir o discurso da “apatia” ou desinteresse das mulheres pela luta.A ideia, durante muito tempo alimentada, de que a luta dos trabalhadores era uma só e que isso não caberia ao movimento sindical levantar questões específicas, uma vez que poderiam dividir o movimento, também demonstra a incompreensão, inclusive com o fato de que o tratamento de questões “específicas” ligadas às condições de trabalho fortaleceria a confiança da mulher na luta geral dos sindicatos.

Para romper com parte dessas incompreensões, a organização própria das trabalhadoras foi fundamental. O primeiro e importante passo foi dado apenas na década de 60, com a realização da I Conferência Nacional da Mulher Trabalhadora, que sistematiza e levanta uma pauta de reivindicações específicas que deveriam ser levadas pelo movimento sindical. O golpe de 64 jogou por terra os possíveis desdobramentos deste Encontro.

Com a reorganização do movimento, a partir da década de 70, as trabalhadoras retomam também as iniciativas voltadas para a mulher. Os encontros de mulheres metalúrgicas realizadas em São Paulo e os Encontros de trabalhadoras passam a se constituir em importantes espaços de reflexão e luta e sensibilizam o movimento sindical.

Como saldo organizativo, tem-se as experiências dos departamentos femininos no início da década de 80. Eram os sindicatos tentando incorporar a “questão da mulher”. Esta experiência, porém, foi marcada pelo isolamento da luta nos departamentos. Tratava-se de problemas de mulheres e não do sindicato, ocorre, então, uma “guetização” da luta da mulher no sindicalismo, levando à desestruturação dos departamentos.

Assiste-se nos últimos anos a uma incorporação da “questão da mulher” agora em um outro patamar. Refletindo a disseminação das demandas feministas para além do movimento feminista stricto sensu, as sindicalistas assumem e introduzem no movimento a discussão sobre as relações de gênero. Colocam em discussão, não apenas as reivindicações dirigidas ao patronato, mas também os reflexos de sua especificidade na própria vivência sindical, suas possibilidades e dificuldades de atuação.

Existe hoje, sem dúvida, um outro tratamento por parte do movimento sindical. Porém, ainda persistem as incompreensões e em alguns casos as resistências em relação à incorporação da questão, sob um enfoque que  abranja a trabalhadora como classe e gênero. A própria presença, das sindicalistas tende a forçar um outro tratamento. Mas há ainda uma grande distância a ser percorrida entre o discurso aberto e simpático e a vivência prática.

Pensar a participação das mulheres no movimento sindical é pensar ao mesmo tempo a sua realidade no processo de trabalho e no âmbito privado doméstico e familiar; é pensar também todos os valores culturais que recaem sobre a mulher em relação a sua participação em espaços públicos, particularmente os políticos e implicam em exercício de cargos. A idéia de que tais espaços não são muito afeitos às mulheres ainda permanece nas sociedades capitalistas. Ainda mais se estas mulheres pertencem às camadas e às classes mais baixas, sempre excluídas da política e do poder. O que termina por trazer reflexos na própria auto-imagem que estas têm frente à sua capacidade para a prática política.

Quando se compara as trajetórias e as vivências de homens e mulheres sindicalistas, percebe-se que as condições de gênero são distintas e, embora não determinem, influenciam de maneira distinta a participação e o espaço que homens e mulheres vão ter no movimento. Por outro lado, as consequências da opressão de gênero são distintas para as mulheres, a depender da realidade de classe, sendo bem mais graves para as mulheres proletárias. Tais condições implicam também em maiores dificuldades de participação dentro de uma realidade já tão desgastante.

Embora as mulheres venham aumentando sua participação no mercado de trabalho e conquistando algumas reivindicações, as chances e as condições em que se realiza o trabalho permanecem mais adversas para estas. A divisão sexual e as hierarquias existentes no interior do processo de trabalho tem destinado às mulheres as funções menos valorizadas, mais extenuantes, repetitivas, menos criativas, ao mesmo tempo que controladas e reprimidas. Observa-se também que as próprias chances de qualificação, não são idênticas para homens e mulheres e, mesmo no setor operário, a proporção de mulheres que são operárias qualificadas se comparada a dos homens, é ínfima. Também no setor terciário, são as profissões “femininas” as menos valorizadas e às vezes mais ameaçadas e controladas.

Estes são elementos que, no quadro geral de dificuldades que trabalhadores e trabalhadoras enfrentam no capitalismo, contribuem para que as mulheres, em geral, mais recentes no mercado de trabalho, com menos experiência política e mais facilmente substituíveis em suas funções (portanto talvez mais vulneráveis às ameaças dos patrões) enfrentam dificuldade para se aproximar e militar nos sindicatos.

Também a relação com o espaço doméstico não é igual para homens e mulheres, inclusive para os (as) que participam do movimento sindical. Desse modo, enquanto a relação das mulheres com os encargos domésticos continua “imperativa”, ou seja, antes de assumir as atividades sindicais elas necessitam equacionar as tarefas domésticas, que em geral dependem delas para serem executadas ou mesmo administradas, a dos homens é uma relação condicional, ou seja, os encargos domésticos, quando são assumidos, dependem do grau de tarefas e exigências do movimento sindical.

A relação familiar ainda é uma realidade bastante condicionadora para as mulheres. E a relação conjugal ainda exerce um papel muito cerceador na participação política das mulheres.A idéia de posse, do papel de esposa ainda se faz muito presente. Vários estudos indicam, inclusive este, que a maior parte das mulheres que participam, são solteiras ou separadas e, quando têm filhos são em número pequeno. Já entre os homens, não se percebe este como um dado relevante.Ao lado disso, a formação familiar, que já é feita para a idéia de que a mulher pode trabalhar fora, ainda permanece concebendo o espaço doméstico como “obrigações da mulher”. De modo que outras coisas podem deixar de ser feitas, mas os “afazeres do lar”, não! Por outro lado, não é só a ausência de uma divisão de trabalho doméstico entre homens e mulheres. É também o fato de muitas das tarefas hoje feitas pelas mulheres, dentro de casa serem, na verdade, tarefas sociais, que dizem respeito à manutenção da vida e, portanto, deveriam ser assumidas socialmente. 

O movimento sindical para a maioria das mulheres pode significar uma terceira jornada: ou a culpa, incutida em nossas cabeças, por não pegar o seu tempo “livre” e dedica-lo integralmente aos filhos. Além da vivência no trabalho e da realidade doméstica familiar, o entendimento da presença das mulheres no sindicalismo passa pela análise das práticas políticas e da vivência de mulheres nestas práticas e, neste caso, a prática sindical.

O espaço sindical para as mulheres, ao mesmo tempo que se toma um referencial de descobertas, questionamentos crescimento político, é ainda um espaço predominantemente masculino e como tal reproduz valores e práticas nas quais mulheres têm dificuldades de se inserir, pelo menos em um primeiro momento. Pode-se até sugerir um estilo de política sindical, caracterizadamente masculino.O falar grosso, bater na mesa, as piadas, a pouca confiança depositada pelos homens nas mulheres, quando se trata de representação sindical externa, aliado à própria dinâmica das atividades, em geral difíceis de conciliar com os compromissos familiares, podem ser considerados elementos desse quadro.

Não é fácil para as mulheres, criadas, em geral, para sentirem frágeis, ou buscarem sempre uma cara metade forte adquirir um “saber-fazer” próprio a política sindical. O movimento sindical, por sua vez, parece ainda cultivar este estilo no qual firmeza muitas vezes é sinônimo de ser macho, fala bem, sinônimo de falar grosso e ser combativo e enfrentar reuniões até alta madrugada. As mulheres, muitas vezes, estão impedidas de mostrar este tipo de combatividade.Mas, além das práticas e dos estilos, constata-se também que existe uma dificuldade das próprias mulheres em assumir uma participação mais engajada, através de cargos mais destacados nas direções sindicais. Estas dificuldades, além dos problemas já citados, de ordem material de tempo, são geradas também por certos tipos de sentimentos (muito mais que de opinião): o de que lhes falta competência. Esta pode ser explicada pela falta de experiência, pela necessidade de um período de convivência maior na base, de que não sabem lidar com a fala, entendida como discurso. Um outro sentimento é o de “exterioridade” em relação à ideia de participar de direções, lidar com conflitos e interesses diversos. 0 que exigiria um grau de racionalidade, frieza e capacidade de articulação, que elas podem não se sentir portadoras.

Estes sentimentos, podem trazer como consequência a interpretação de que, ser direção, participar em instâncias decisórias pode ser algo ruim, desgastante. Há ainda um sentimento que pode vir a ser acrescido. Este colocado em situações materiais. A constatação de que muitas já são as preocupações. Além das relativas a salários, há os filhos, a casa, espaços que necessitam ser pensados quotidianamente.

Por outro lado, é a própria prática política, a vivência que pode começar com um piquete em uma greve ou com uma ida a um sindicato, ou com a vivência com um partido político, que coloca o rompimento com estes sentimentos. Rompimento que pode ser conflituado, angustiante, mas que, ao revelar para as trabalhadoras a outra faceta, ou seja, o poder ser, poder fazer, ser capaz de, possibilitar não só uma consciência exterior, mas a reconstrução de uma auto-imagem e o questionamento dos estereótipos.

A vivência política, uma reapropriação de espaçoA história das relações das mulheres com a política (lato sensu) não se realiza de maneira uniforme, mesmo porque as formas que assumem a dominação e a exclusão política variam de acordo com o tempo histórico e a classe social à qual elas pertencem. Nesse sentido, não se pode falar de uma exclusão absoluta de todas as mulheres da política e mesmo do poder político. A história registra muitos momentos em que algumas mulheres participaram e exerceram poder. Esta, porém não era uma situação comum e nem era um poder distinto do que era exercido por homens. Era um poder de classe, dentro dos interesses e condutas voltados para os interesses de classe, e, portanto, tão opressor quanto o dos homens. A tônica geral, porém, tem sido a da exclusão das mulheres das atividades políticas e, também do exercício do poder.

A historiadora francesa Michele Perrot afirma que sempre se atribuiu às mulheres “poderes” escondidos, negócios familiares, cotidianos difusos. Mas, ao mesmo tempo, com algumas exceções, elas eram excluídas do poder político, do poder de dirigir. Segundo ela, o advento do capitalismo trouxe consigo a difusão da ideia de que “o poder político é apanágio dos homens, e dos homens viris”. O que significava ser bem nascido, bem nutrido, culto. O que significava não ser proletário e nem mulher.

No caso das mulheres, a fundamentação sustentava-se na construção de um imaginário no qual estas eram vistas como tendo o seu mundo próprio. Sociável, abnegado, despretensioso e doméstico. Logo não presenciaram e nem ambicionaram um mundo público. Este imaginário chegava a ser justificado por figuras como Comte (fundador da sociologia) e até por Hegel (filósofo da dialética). Para eles existiria uma “incompatibilidade natural” das mulheres em relação ao exercício do poder, mesmo que fosse poder familiar! As mulheres, tidas como inseguras, frágeis e intuitivas (características naturais suas) não disporiam, portanto, da razão e do conhecimento, elementos essenciais a prática política. É o pensamento socialista que vai contestar e desnaturalizar esta realidade. Apesar de toda essa resistência, as mulheres participaram ativamente dos grandes momentos de lutas sociais da história, e muitas foram as que se destacaram, principalmente nos momentos revolucionários.

Não se pode falar, atualmente, numa relação de exclusão explícita, ou na justificativa teórico/biológica da “natureza” inata das mulheres para o exercício do político. Mesmo porque, as conquistas sociais das mulheres vão jogando por terra tais assertivas. Entretanto, não se pode desconhecer que mesmo nos dias atuais ainda persiste a noção de que elas são apáticas e defensivas, e que não participam mais por serem acomodadas. Isto ainda existe em todas as formas de participação em espaços públicos, inclusive o sindical.

A presença das mulheres em espaços públicos, inclusive o sindical. Faz-se necessário, também, resgatar as diversas formas de participação, a sua presença combativa e muitas vezes pouco vista. Há que se criticar também a noção de apatia, muitas vezes implícita em muitos estudos, quando estes enfatizam apenas a reduzida participação numérica, contrapondo-a à participação dos homens, partindo-se de uma patamar falso: não se pode comparar e igualar situações distintas.

O fato de a prática política das mulheres ser ainda menor se relaciona, por outro lado, com a forma como é exercida a política nas sociedades de classe, com um poder norteado por interesses econômicos e políticos de opressão que reforça, mantém a exclusão das mulheres. Por outro lado, pelos fatores do gênero jã discutidos anteriormente, que ao definir “o lugar das mulheres” acaba por emperrar a participação política destas. (4).

Por estas razões, para as mulheres se firmarem no mundo público, político, elas necessitam reelaborar a sua relação com os múltiplos espaços públicos e privados (casa-família-trabalho-partido-sindicato). Mas esta reelaboração por sua vez, não pode ser um movimento apenas das mulheres. Faz-se necessário a reelaboração das relações sociais que se dão entre homens e mulheres, em todas as esferas do social. O que termina por esbarrar em um modelo de sociedade que se sustenta justamente na manutenção das relações de opressão.

Os desafios no espaço sindicalO Sindicato tem sido um ”mundo masculino” e só recentemente esta realidade começa a mudar. No caso do Brasil, agregam-se às já discutidas especificidades da condição da mulher, outros aspectos que dificultam a participação dos trabalhadores como um todo: a) as características do sindicalismo brasileiro, com uma sindicalização ainda pouco expressiva em relação ao total de trabalhadores; b) as condições políticas repressivas que marcaram a atuação política nas últimas décadas; c) a presença mais marcante das mulheres no mercado de trabalho como algo recente, sobretudo em setores chaves, haja vista que uma maior inserção pode conduzir a um aumento da sindicalização e participação.

Desse modo, a atuação sindical das mulheres é ainda obstaculizada por todos estes fatores, mas que vem sendo enfrentados, sobretudo nos últimos anos. Ao mesmo tempo que ainda são poucas nas instâncias mais decisórias, participam de forma intensa e apaixonada das bases e instâncias intermediárias. Recusando o molde de passividade para explicar a sua ausência dos cargos dirigentes, as militantes sindicais trazem e exigem que a sua situação de gênero seja discutida como problema da participação e não das mulheres.

A abertura maior por parte do movimento sindical para as demandas das trabalhadoras, pode ser compreendida em função de fatores como: a) uma maior definição das correntes existentes no interior do movimento sindical. Passado o momento em que estas buscavam uma identidade no cenário político, construídas as Centrais sindicais, o movimento agora parece ser o de busca e consolidação de espaços, no qual se inclui a conquista de influência e apoio de uma considerável parcela de trabalhadores: as mulheres. b) corresponde a uma nova fase da luta. O feminismo, sem necessariamente estar assim rotulado, disseminou-se nas várias esferas sociais, inclusive a sindical. Propõe que, ao lado das questões mais gerais, o movimento sindical incorpore as reivindicações que se apresentam para as trabalhadoras mulheres. Buscando se firmar neste espaço, sem ter que abrir mão de suas diferenças, elas buscam conduzir e incorporar as mulheres trabalhadoras, partindo de alguns patamares, distintos das experiências anteriores.

Há hoje uma tendência à organização de espaços próprios para a discussão da questão da mulher trabalhadora. Ao invés dos departamentos, a tendência tem sido a criação de secretarias da mulher, ou de comissões vinculadas a secretarias de formação ou política. Este movimento, por sua vez, é feito sob um outro enfoque, ou seja, são instrumentos para assessorar o Sindicato como um todo, uma vez que a questão da trabalhadora, deve ser incorporada ao conjunto das questões sindicais e não igualada a um departamento de esporte, por exemplo. Por outro lado compreende-se que, em um espaço próprio para discutir, as mulheres em um primeiro momento sintam-se mais à vontade.

A realização de encontros locais, estaduais e nacionais, de mulheres por categorias profissionais, visam aprofundar as formas como a especificidade se realiza em cada tipo de trabalho. Tem servido também para um grande intercâmbio e fortalecimento das demandas das trabalhadoras junto aos sindicatos. Mas, a questão mais importante, posta recentemente, diz respeito às cotas de participação nas diretorias, proposta que vem sendo discutida particularmente pelos sindicatos vinculados à CUT. Muitos dos que resistem a essa proposta, argumentam que as cotas são situações artificiais, que trata-se de um protecionismo e que as mulheres devem chegar às diretorias pela sua capacidade e esta vai sendo demonstrada no movimento.

Embora aparentemente, as condições de homens e mulheres sejam iguais, sabe-se que, de fato, não são. A marca da opressão traz todas as consequências expostas anteriormente o que faz com que, para as mulheres, seja muito mais difícil até mesmo se destacar no movimento. É uma situação, em certa medida, comparável a democracia burguesa formal. Aparentemente, todos são iguais em direitos e deveres e têm as mesmas chances. Mas uns são mais iguais que os outros, uma vez que tem mais dinheiro, mais poder, etc.

Existe, assim, a necessidade de que o movimento sindical  crie mecanismos de incentivo, particularmente para o espaço mais difícil e disputado: as diretorias sindicais. Com isto, não apenas coloca-se em discussão a questão da participação, como tomar-se medidas concretas de estímulo e de abertura a esta participação. Por outro lado, não se pode, aí sim, cair em uma situação artificial de estabelecer uma cota única para sindicatos com realidades diferenciadas. De todo modo, esta discussão abre espaço no interior do movimento para que se vá além das discussões sobre reivindicações imediatas e mexe com uma das questões chaves do movimento de mulheres – a questão do público e do privado e a necessidade da retomada do espaço público das mulheres.

As reivindicações buscam ampliar para além do aspecto da maternidade. Colocam-se questões vinculadas às condições de trabalho, ao abuso sexual, ao mesmo tempo em que tenta-se um enfoque mais abrangente para questões já levantadas. A luta da creche ganha um novo impulso, com a ressalva de que é um direito da criança, e não um problema da mulher.

O movimento sindical, mesmo com suas limitações, volta-se para a parcela dos produtores, dos que produzem e transformam as riquezas e que são os mais explorados, menos privilegiados. Nesse quadro estão também as mulheres trabalhadoras, hoje importante parcela da força de trabalho. É portanto, um grande e importante espaço de atuação na luta pela emancipação social da mulher e da trabalhadora.

Não é, porém, uma situação fácil, uma vez que mesmo com uma simpatia e um discurso aberto à questão, na relação de opressão entre os sexos, com intensidade e formas distintas, e a mulher a parte oprimida. E abrir espaço, discutir as práticas discriminatórias que atingem a mulher, tanto no trabalho quanto no movimento sindical, implica em discutir as práticas dos militantes sindicais. Quebrando as arestas, mostrando que são capazes, trazendo trabalhadoras para o sindicato e reivindicando espaços de decisão com um enfoque mais abrangente, as trabalhadoras vão introduzindo uma nova qualidade no tratamento da ”questão da mulher”.

 

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